Corpo, sensibilidades e emoções: narrativas sobre a perda da visão. Luiz Gustavo Pereira de Souza Correia
UFPB/UFRPE
luizgustavopsc@gmail.com
O objetivo desta comunicação é apresentar narrativas sobre experiências da perda da visão de indivíduos com quem dialoguei em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, durante minha pesquisa para doutoramento em Antropologia Social. São narrativas que traçam relações entre o corpo dos indivíduos e a materialidade do mundo e revelam formas de interação com outros sujeitos urbanos reconfiguradas pela comunicação por códigos não-visuais. A montagem das experiências recontadas justapõe processos e rupturas pessoais contextualizadas pelas temporalidades citadinas, através das construções narrativas como elaborações onde os tempos das apreensões subjetivas se recompõem.
Tais narrativas abrem vias interpretativas ao expor distintas apreensões e agenciamentos do corpo, do tempo e do espaço no cenário urbano pelos indivíduos cegos. Tensões, articulações e rearranjos relatados possibilitam a compreensão dos sentidos das individualidades, das sensibilidades individuais. As emoções expressas nas narrativas, tais como o sofrimento, a vergonha, o luto, a solidão, o medo, ou ainda o sentimento de pertença a um grupo social específico são elementos compreendidos como construções intersubjetivas, elaborações simbólicas dos personagens da sua localização e orientação social. As semelhanças e especificidades expostas nas narrativas são analisadas com o intuito de revelar aspectos das formas de sociabilidade vivenciadas, como os sujeitos se percebem intersubjetivamente nestas interações sociais e ainda como estruturaram suas construções narrativas balizadas pelas referências afetivas e simbólicas de suas experiências corpóreas. Dois espaços específicos em que foi desenvolvida parte da pesquisa de campo são aqui apresentados. Em um primeiro instante, dados colhidos em um “centro de reabilitação e ressocialização” com o objetivo de abordar o manuseio da bengala e a economia de gestos apreendida nas atividades de treinamento. Tais passagens possibilitam reflexões sobre a série de emoções envolvidas na relação entre o corpo, os gestos e os instrumentos materiais. Uma via de compreensão da reconfiguração subjetiva do corpo e sua nova vinculação simbólica aos espaços públicos e privados em que se revela um jogo tenso de identificação e conflito vivido pelos cegos no cotidiano. Em contraste com tal espaço, são apresentadas passagens na ACERGS, Associação de Cegos do Rio Grande do Sul, espaço de sociabilidade onde é perceptível a descontinuidade do cotidiano como subversão nos eventos em que o grupo ali presente rompe a lógica da visualidade e da visibilidade da sociedade. Uma etiqueta distinta, como conjunto de códigos compartilhados e acionados, que ressignifica num determinado recorte espaço-temporal os sentidos de um corpo visível, visto e representado à percepção visual. O manejo do corpo em termos de uma expressão sonora das afetividades e das emoções construía o espaço como lugar próprio aos sujeitos pertencentes ao grupo. A cegueira surge então como elemento do jogo social, fator de semelhança e dessemelhança no cotidiano. O corpo, como condição do indivíduo experienciar os sentidos compartilhados em relação com o mundo, faz circular as emoções que o localizam socialmente e revela as tensões nas trocas intersubjetivas, conflitos e estranhamentos, subversões e reapropriações do cenário e do ritmo urbanos.
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